Aprendi a olhar os vitrais da Catedral de Petrolina, desde pequena, com um misto de emoção, respeito e deslumbramento. Meu pai orgulhava-se em contar repetidas vezes a façanha de D. Malan para conseguir donativos  do seu país de origem, do governo, das  famílias de posses, da saga gloriosa dos vitrais vindos  da França até aqui: a compra, o transporte, a montagem, os agradecimentos, a festa.
Os vitrais vieram de longe. Deles  sabe-se  que existem muita interpretações para a constante presença   dessa arte inspiradora e secular nas catedrais do mundo,  justificada  também, pelo grande número de fiéis analfabetos que não entendiam a língua que os padres falavam (o latim), mas que  podiam compreender (ou apreciar) um pouco do Evangelho através do olhar.
Sempre me pergunto, e  os fiéis  daqui, como interpretavam  os efeitos plásticos dessa Bíblia feita de luz ? Deslumbramento ? Gratidão ao seu benfeitor ?

No olhar de meu pai sempre via refletida  uma Igreja edificada no coração do povo, o  afã de  acreditar no valor da ação, de ver homens e mulheres   mobilizados trabalhando  arduamente para edificar a Casa de Deus.

Além dos vitrais do seu  olhar, agora adormecidos,  filtro claridades outras, e  recolho fontes que me possibilitam  reconstituir  elos  do seu contar. Recordo da satisfação que sentia ao lembrar do seu  papel de escoteiro mor em defesa e preservação dos  vitrais da Catedral, uma preocupação sem tréguas e limites. Protegê-los das baladeiras e pedras atiradas por meninos que caçavam passarinhos, era dever de qualquer católico, apostólico, petrolinense. Instigado por esse dever, não se intimidou em propor a D. Avelar, bispo da época,  uma  idéia-convite  para solucionar o problema. Esse terreno baldio atrás da igreja pode  ser transformado numa bela praça, protege os vitrais e salva os passarinhos, disse para ele, eu  desenho o projeto estrutural.

Idéias germinaram em vontades  férteis e foram ganhando  formas: a planta da praça, a mobilização da comunidade, o empenho dos gestores municipais, a participação da Diocese, o compromisso e empenho salesiano de Irmã Luisinha Pasi, Diretora do Colégio N.Senhora Auxiliadora e responsável pela execução do projeto.

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Os vitrais são os mesmos, mas os tempos são outros .  Outras são as pedras, outros são as baladeiras: o desejo de  notoriedade dos projetos de preservação do patrimônio público com a substituição dos  postes originais de iluminação da praça, sem justificativas plausíveis, as  sucessivas revitalizações que agridem o olhar,  a substituição  de nomes em antigos  vitrais, o acervo  de novas esculturas deslocadas  nas dimensões do espaço e  nos sentimentos da coletividade.
Os vitrais são os mesmos, dos cacos  exige-se coragem para reuní-los, desafios diversos para compor e recompor  novo tempo, nova história. É preciso anima, crença, utopia, trabalho árduo de artesão, não temer o corte, nem a profundidade do risco.

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