Não é exagero afirmar que no Velho Chico navegam memórias e difícil é não ser fisgado pela emoção durante um passeio de catamarã. Assim aconteceu.
No princípio, apenas o bailado de águas entre as cidades irmãs ao som de um violino e a beleza estonteante da paisagem. Depois, a contemplação solitária, a linha do horizonte regendo a magia do sol começou a descortinar memórias em feixes de luz.
Entre margens, rostos conhecidos deslizavam na correnteza: Ana das Carrancas, Seu Raulino, Seu Padilha, Antonila, Seu Joãozinho do Farol, Cid Carvalho, Manuca, Maria Pires, Celestino, uniam-se aos muitos outros das histórias já contadas, de lavadeiras, pescadores, tropeiros, missionários e visionários da antiga Passagem de Juazeiro.
Um ” ir e vir ” onde o rio se fez e se faz caminho, ponte que abraça a diversidade de manifestações artísticas e culturais existentes, mapa de costumes e tradições, leito de lendas e mistérios guardados em suas águas.
Nessa avalanche de imagens salta uma lembrança pessoal, os relatos feitos por meu pai João Nascimento, sobre sua participação na primeira etapa da construção do Porto de Petrolina. Na lista de patentes do 7° Batalhão de Engenharia citada por ele, sempre destacava sua gratidão ao Coronel Arthur Levy, o comandante da unidade que chefiou a construção do porto e descrevia com detalhes o clima de tensão da época (1943). O Brasil preparava-se para a guerra e Petrolina estrategicamente faria parte da rota alternativa que levaria soldados e suprimentos ao front. Quem poderia imaginar que a guerra seria o contexto da construção do porto, da criação de novas enfermarias para o Hospital Dom Malan, e de que o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora seria arrendado para hospedagem dos oficiais em trânsito? E como se não bastasse, havia também a convocação de jovens petrolinenses para servirem a Pátria.
Em seus relatos, os dois armazéns conhecidos como Círculo Militar e parte do cais que vai até o antigo restaurante Panorâmico, registram a saga dos trabalhadores anônimos que também escreveram suas histórias em muitos ocasos de suor e pedras. São memórias flutuantes, à deriva…Em terra firme, somente a crônica que insiste em reter a poesia do último raio de sol.