Nunca a literatura foi tão urgente, tão necessária. Entre palavras e vírus a incessante busca de sentidos para a experiência humana sobre pânico, medos e incertezas. Muitas são as imagens que a literatura nos traz através dos códigos narrativos da ficção: de solidão e espera, de medos e catástrofes que nos remetem ao momento de apreensão que estamos vivendo. Somos marcados pela paixão de lembrar, e só a literatura nos salva, pois ela é o lugar onde se recria a memória, a vida. É no seu diálogo com a vida real que se abrem portas para o passado, presente, e até mesmo projeções de futuro, a chance de percebermos o quão universais são as nossas dores e sentimentos.
Nesse contexto, a produção e o consumo artístico-cultural reinventaram-se em travessias possíveis. No romance “O Outro Pé da Sereia”, de Mia Couto, podemos capturar alguns sinais de alerta para esse novo aprendizado estético: “A viagem não começa quando se percorrem as distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores. […] A viagem termina quando encerramos as nossas fronteiras interiores. Regressamos a nós mesmos, não a um lugar.”
Enclausurados, escritores, poetas, professores, técnicos e pesquisadores, adotaram o protagonismo das mediações tecnológicas através de cursos, leituras de obras e oficinas, como forma de apresentar e discutir a literatura. Com tempo e espaços mais democratizados, as Lives Literárias criaram novo sentido para as interações sociais e coletivas, através das redes sociais e plataformas digitais.
Das janelas de nossas casas, mundos sonhados foram vislumbrados dentro das páginas de um livro, conectando o que nos cerca ao inacessível, experimentando ressignificar a vida:
No ano 3000
Os homens já vão ter
se cansado das máquinas
e as casas serão novamente românticas.
O tempo vai ser usado sem pressa:
gerânios enfeitarão as janelas,
amigos escreverão longas cartas.
Cientistas inventarão novamente
o bonde, a charrete.
Pianos de cauda encherão as tardes de música
e a terra flutuará no céu
muito mais leve, muito mais leve.
MURRAY, Roseana. Casas. Belo Horizonte: Formato, 1994, p.14.
O exercício da sensibilidade na vida que se vive, é transcendência necessária para que possamos compreender o papel e a função social da literatura, como um direito universal do homem. É esse imenso legado escrito que humaniza a travessia de recriar os novos caminhos do progresso e da convivência.
No dizer do filósofo espanhol, Emílio LLedó “não é outra coisa, senão pensar com o já pensado, desejar com o já desejado, definitivamente, sonhar os sonhos das palavras, que dormem no legado da tradição escrita, da tradição real e que ao sonhar com elas as despertamos, e ao mesmo tempo em que a despertamos, despertamos com elas a nós mesmos.”
P.S. — O meu agradecimento ao Sesc Petrolina por participar da edição do Jornal A Ponte, Informativo da Aldeia do Velho Chico, no XVI Festival de Artes do Vale do São Francisco.