A memória afetiva do ciclo junino, por mais remota que seja, aflora  os sentidos com suas cores, cheiros, sons e sabores…Indague quem quiser o motivo histórico de foguetear  Santo Antônio, São João e São Pedro. Assim  o fez  Machado de Assis ao dirigir-se aos leitores d’O Cruzeiro, em sua crônica publicada em 16 de junho de 1878.

“Nestas noites abençoadas é que as crendices sãs abrem todas as velas. As consultas, as sortes, os ovos guardados  em água, e outras sublimes ridicularias, ria-se delas quem quiser; eu vejo-as com respeito, com simpatia, e se alguma coisa me molestam é por eu não as saber já praticar. Os anos que passam tiram à fé o que há nela pueril, para só lhe deixar o que há sério; e triste daquele a quem nem isso fica: esse perde o melhor das recordações.”

Para o cronista, os costumes populares permanecerão ainda por dezena de anos, mesmo com o ceticismo do tempo. Com uma visão prospectiva ele  estimula o leitor a  transitar entre o passado, o presente e o futuro das tradições e costumes, com humor e fina ironia:

“Venhamos à  boa prosa, que é o meu domínio. Vimos o lado poético dos foguetes; vejamos o lado legal.Duas coisas, entretanto, perduram no meio da instabilidade universal: – 1.º a constância da polícia, que todos os anos declara editalmente ser proibido queimar fogos, por ocasião das festas de São João e seus comensais; 2º a disposição do povo em desobedecer às ordens da polícia. A proibição não é simples vontade do chefe; é uma postura municipal de 1856. Anualmente aparece o mesmo edital, escrito com os mesmos termos; o chefe rubrica essa chapa inofensiva, que é impressa, lida e desrespeitada. Da tenacidade com que a polícia proíbe, e da teimosia com que o povo infringe a proibição, fica um resíduo comum: o trecho impresso e os fogos queimados.”

Crônica e contexto  atualizados. Os  editais publicados recentemente pelas Prefeituras Municipais  proíbem  a queima de fogos de artifícios e  alertam  que a fumaça e o cheiro da combustão podem ser nocivos ao sistema respiratório. Com a pandemia do coronavírus e a recomendação de isolamento social, os festejos  foram cancelados Brasil afora. O  desenho da tradição foi alterado com arraiás digitais, forroterias,  lives,  campanhas solidárias e cardápios delivery, marcados pela interatividade e outras formas de comunicação.

Está fora de cogitação  peregrinar nas portas da vizinhança, dançar quadrilhas, acender fogueiras, soltar balões…Livres e presos, os novos ritos exigem  ficar em casa,  momento para repensar o distanciamento entre  a  essência e o simbolismo da festa. Assim, guardada  para a próxima vez, fica a saudação: São João passou por aqui?

Créditos: Foto de Sinovaldo/ Charge para o ABC em jornalnh.com.br

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