São João pintado por Elisabete Moreira

São João, pintura de Elisabete Moreira

Quero a noite mais fria da minha infância aquecida pelas labaredas das fogueiras acesas na Rua São José, com minha mãe rodeada de filhos e panelas preparando a tão esperada festa.Tragam o pote de aluá feito com cascas de abacaxi, coloquem o licor de genipapo nas licoreiras, ordenava ela, enquanto do forno a lenha construído no quintal saiam assadeiras com bolo de milho, puba, macaxeira. Ansiosa, eu ajudava a colar bandeirolas em cordões esticados na varanda da casa.
Quero sorver da memória todos os aromas: pipoca bem quentinha, milho assado, mungunzá, canjica, milho cozido, arroz doce com canela, farturas partilhadas com primos, tios e vizinhos…Sorver também o perfume do cravo, da rosa e do manjericão, cantados em Capelinha de Melão. E o meu vestido de chita? Presente conquistado por tirar boas notas, com direito a chapéu de tranças, à espera das cantigas de roda, dos batismos de fogo, das simpatias e adivinhações.

Na soleira da porta, a presença risonha de meu pai a vistoriar se tudo estava em ordem, com muitos pacotes de  fogos para nos presentear. Em suas mãos, a  porção mágica de traques, chumbinhos e  chuvinhas, era  dividida com euforia, e somente quando  o estoque recebido terminasse, começaria o espetáculo maior, a queima dos vulcões, gigantes caleidoscópios arremessando cores  refletidas no brilho do nosso olhar. A fogueira clareava a noite e o chão batido da rua sem calçamento, soltava estrelas faíscas embrulhadas em comprida fumaça que nem véu de noiva.

Quero mais outro pedido: Acorda João, não durma Santinho, a minha criança não pode esperar! Devolva-me os carneirinhos contados, o meu céu estrelado, as castanhas assadas e os presentes do outro João. Se possível, acende rojões de saudade e renova o sonho da minha noite encantada!

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