pascoa2013

Lembro-me de uma reflexão feita por Pe. Bernardino Luz numa das missas dominicais sobre o mistério da Santíssima Trindade. Enfático e solene, ele  fez a síntese do seu sermão com um xeque mate:  “Ou o homem aceita o mistério, ou o absurdo.” Adolescente na época, vivi uma noite de pesadelos espirituais, medo de pecar  por não compreender  o mistério,  e menos ainda,  o absurdo. As indagações religiosas feitas no âmbito familiar também não aliviaram   minhas inquietações juvenis. Meu pai, católico convicto, sempre encerrava as polêmicas com suprema autoridade:  “não se discute as coisas de Deus, o mundo precisa de orações, é preciso rezar.”

Aluna salesiana,  convivi com os rituais da  oração do  jardim da infância  ao  magistério, e não eram poucos, sempre que  participava  dos  retiros  espirituais voltava o mistério, medo de abrir o coração para não ouvir o  “chamado”, uma espécie de convite para ser freira ou padre. Mais pecados e  mais confissões. Rezar de verdade mesmo, só  quando lia “Poemas para rezar” do padre francês  Michel  Quoist.

Ah! tinha ainda o sonho de ser  anjo no cortejo das procissões, mas esse era um desejo frustrado, uma  performance  destinada somente às meninas loiras.Um desejo vingado e sublimado quando deparei- me com  o  Cristo negro  do “Auto da Compadecida”, peça teatral de Ariano Suassuna.
Com o passar dos anos, uma racionalidade cética apoderou-se de  outros caminhos, de outras leituras,  buscando  compreender o mistério fincado na memória do tempo, das referências e dos valores recebidos. Outros silêncios, outras vozes:
No nascimento, somos filhos de nossos pais; na ressurreição, de nossas obras” pregava  Vieira. “Ser o que se é, eis o que a vida nos propõe. Omitir-se desse desafio, ainda que em troca de fama e fortuna, ter e poder, é antecipar a morte e distanciar-se da mais feliz experiência humana, a de entrar no céu antes de morrer, pela porta da oração e, sobretudo, da ação amorosa que engendra vida. Isso é um dom divino, uma tarefa política e uma experiência mística,”  afirma Frei Beto.
À medida que envelheço e me aproximo mais  do fim de todos os mistérios, sinto-me redimida quando consigo praticar, além das aparências, o evangelho, refaço-me  na graça de renascer a cada dia. Lidar com os ritos de passagem,  inevitáveis ao longo da  vida, me  fez compreender  o sentido desse tempo litúrgico que precede a Páscoa. Morrer para Nascer: eis o paradoxo da fé.

Essa é a Páscoa, passagem da esperança,  livre de qualquer destino, qualquer  arbítrio,  qualquer escravidão.Travessia e mistério proclamados  na crença da Ressurreição.
FELIZ PÁSCOA!

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