Nasci filha. Reproduzi sem traumas a meninice adulta congelada nos olhos de minha mãe, desenhada com doses excessivas de responsabilidades e enorme desejo de atenções miúdas.
Para demarcar uma linha de tempo nessa trajetória, há de se considerar que colo materno não contabiliza anos, e, principalmente quando a vida dói, é pra esse porto seguro que sempre retornamos. Nunca imaginei que trocaria de lugar nessa relação, porém o inesperado já aconteceu.
Chegou a minha vez de cuidar, de filtrar os medos e de protegê-la de todos os perigos, hora de abdicar e de sentir- me órfã do papel de filha.
Como é inevitável a passagem do tempo, a velhice nos ensina a refazer caminhos, a entender as suas limitações e a dividir angústias no momento dessa troca. Sem choro, sem colo e sem cafuné, a nova gestação cobra muito mais que fôlego, exige afeto e compreensão.
Na prática, uma jornada desafiadora. De um lado, a loucura dos ciclos sinaliza mudanças que agora nos assustam: assento de vaso alto, barras de segurança no boxe, remédios, fraldas, andador, cadeira de rodas. Do outro, um relógio em contagem regressiva, dispara alertas para o efêmero da vida, resgatando histórias que se entrelaçam, se abraçam e se despedem.
Nesse “caminho inverso” não importa o novo layout de nossa casa, a solidão nas madrugadas insones, os embates, e, especialmente, as culpas.
Chegar até aqui é comemorar o privilégio de cuidar e proteger a quem amamos, a nossa chance de retribuir o amor já ofertado pela vida.
Feliz dia das Mães!!!

Share This