Metáforas e metonímias à parte, o amarelo tomou posse da cidade em partidos: um faz tour pitoresco nas redes sociais, o outro protesta contra o DNA a ele atribuído. No palco desse cosmopolitismo provinciano, instala-se a figura de um ethos narcisista e burlesco, com vitrines de identidades fabricadas para atender à sociedade de consumo. Dessa forma o duelo cromático serve como fonte não somente para descrever, mas também para categorizar objetos e pessoas presentes na vida cotidiana. São metáforas conceituais reveladas em estereótipos e visões de mundo.
É precisamente nesse contexto que os tons se acentuam, enquanto o roxo quaresmal propõe humildade e penitências no vestir e no pensar. Aqui, o amarelo fogo faísca vaidades. Diásporas, a fumaça evoca outras cores, outros tons. A ditadura reacende na memória o sangue tinto, a tortura servida em goles de terror e amargura, as nuvens negras do AI-5, o branco da voz em via-sacra, o calvário da censura na crucificação vermelha.
É na dialética das cores que nos reconhecemos e nos identificamos. Com elas podemos avistar horizontes, acordar auroras , amanhecer arco-íris. Não é de se estranhar o encantamento patriota de nosso povo com as cores da bandeira: olhos verdes, cabelo amarelo, sangue azul, nem com a democracia colorida de nossa sociedade: as cores dos partidos políticos, dos times de futebol, da publicidade, da inflação, da exclusão, dos guetos.
Entre as cores e o homem, interpõem-se a percepção, as ideologias, as práticas sociais e a linguagem. À luz desse repertório, qual é a cor da verdade mais verdadeira? Ainda que a porta da verdade se escancare, não é possível ao homem vislumbrá-la sem o véu da linguagem, como afirma o poeta: ” é preciso optar, conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia”.