Numa fase de releituras e contrapontos, abro gavetas e logo reaparece uma lembrança inquieta, daquelas que se transformam em avalanche de palavras, protestos, julgamentos, vozes e  objetos. Lembrei-me da sala de aula, do Concurso Viagem Nestlé pela Literatura, do desafio proposto para decifrar a pluralidade compreendida na dimensão das relações e dos sonhos humanos, da greve dos servidores e de outros conflitos que ameaçaram interromper o projeto. Em meio a rascunhos resistentes ao tempo, ela reaparece, a “Madona de Cedro” de Antonio Callado, estampada em roteiros e proposições para análise.

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Rebobino a trama. Uma narrativa policial que gira em torno do roubo de uma imagem religiosa ocorrido na cidade de Congonhas, Minas Gerais. Delfino Montiel, o protagonista, resolve vender a alma ao diabo, quando em plena Sexta-Feira da Paixão, aceita roubar de uma igreja a imagem de Nossa Senhora da Conceição, obra atribuída ao Aleijadinho.  O roubo dá certo, Delfino recebe o dinheiro prometido, casa-se com a bela e religiosa Marta e tem vida razoável, mas por pouco tempo. Logo, sobrevêm as dívidas, a culpa e o remorso. Retratos do humano sobre as relações e lacunas da vida.

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Adepta a abstrações, logo salta da memória o roubo de uma outra Madona, não a de Cedro,  a de Nossa Senhora Rainha dos Anjos.O fato ocorreu em Petrolina, no ano de 1974. O rebuliço foi grande e a notícia rendeu manchetes históricas e policiais. A investigação mobilizou a comunidade, personalidades políticas e religiosas, numa soma de esforços para resgatar a imagem da santa padroeira. No percurso: o clima de mistério, o desamparo e desespero dos fiéis, as estatísticas referentes aos roubos de imagens sacras, o comércio de esculturas, as galerias de arte, os colecionadores…Ah! e os escultores? O Aleijadinho com as suas obras, o excêntrico pintor Celestino Gomes, um outro escultor recifense, cujo nome não aparece nos registros oficiais.
Depois de anos de ausência, tanto na ficção como na vida real,  Elas retornaram aos seus altares de origem, carregadas do sofrimento de todos os seus filhos. Em procissão: rituais, costumes, dogmas, devoções, culpas e castigos…Sem dúvida, uma via-crucis da conduta humana desfilando sob o olhar piedoso das Senhoras Mães!
Enfim, nesse entrecruzar de leituras e associações reencontrei-me com  minhas Madonas.

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